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quinta-feira, 4 de março de 2010

VIVER A WEB SOCIETY: TEMPO/VELOCIDADE

Rodrigo Moretto

Com um ponto de vista, você pode estar em somente um lugar de cada vez, da mesma maneira que você só pode ocupar uma poltrona de cada vez em um teatro, na frente de uma pintura, fotografia ou de uma paisagem local. Com as novas mídias, você está em todos lugares de uma só vez, um modo de realidade que é continuamente mantida por rádio, televisão e redes de computadores: eles trazem a Terra e a lua à sua sala de estar.
Kerckhove

1. PROLEGÔMENOS

Com a perda da materialidade que nos era dada pelo espaço, devemos tentar agarrar-nos a uma nova variável, a qual consiga expressar o que somos na atualidade. Essa variável de uma sociedade da Internet é o tempo, o que deslocou a atenção do homem dessa sociedade em aceleração.

Somos homens de uma sociedade em movimento, entretanto, agora já não mais no espaço, mas no tempo. Trata-se de uma perfeita semelhança com a teoria da relatividade, em que para dois observadores em movimento com a mesma velocidade, ambos estão estáticos um em relação ao outro, porém ambos estão em movimento em relação ao tempo.

O tempo é a base de nossa cultura, educação, de nossa história. Pensamos, agimos, interagimos sem a necessidade do espaço, porém o tempo é essencial, pois esse significa enquanto que o espaço é. Assim, é o tempo que agora deve ser administrado, alerta Paul Virilio.

A união do espaço-tempo pode nos mostrar onde estamos, porém essa posição é relativa já que fomos jogados para uma realidade virtual que nos desloca cada vez mais aceleradamente. Esse espaço-tempo já não é mais um obstáculo para a Web Society que nos fala Kerckhove.

Destarte, é baseado nessa nova visão, em que a terra perde lugar para a luz, em que a linguagem controlada perde seu status para a imagem - uma linguagem sem controle, pois tudo ocorre ao mesmo tempo - que devemos analisar essa sociedade tecnológica que tem suas bases em uma inteligência conectada e não mais coletiva.

Os indivíduos partem para o mundo virtual, em que entram e saem sem que lhes seja cobrado qualquer tipo de lealdade, onde constroem sua própria identidade ou várias identidades , onde sua vida desmaterializa-se sem deixar rastros. Essa forma de estar sem estar, de pertencer sem compromisso de lealdade, atrai por demasiado as novas gerações que tentam se libertar do espaço, da carne e dos constrangimentos da vida social.

Nos dizeres de Kerkchove, os computadores tornaram-se nossa janela para o mundo de sistemas não-lineares e caóticos, dos quais fizemos parte e sob os quais perdemos o controle sobre os nossos sentidos, pois esses já não se relacionam no espaço, mas no tempo, onde o crime, a violência, a cultura já não deixam as mesmas pistas. Baseados nessa aceleração da tecnologia é que analisaremos a sociedade on line.

2. O ESPAÇO PERDE SEU POSTO, OS SENTIDOS SE AMPLIAM

A Internet e sua interatividade fez com a sociedade absorvesse como parâmetro o termo “velocidade”. Essa se tornou a relação direta entre o homem da nova sociedade e a máquina. A velocidade com que o cérebro humano tem que processar as informações que as máquinas nos dão acelera-se, pois quanto mais rápidos conseguimos absorver as imagens processadas pelas máquinas, mais desejamos melhorar o processamento dessas máquinas maravilhosas .

Justamente nesse ponto, ou seja, num aumento de velocidade graças à aceleração que estamos submersos, é que os sentidos fazem-se necessários, pois é a forma pela qual percebemos que o presente não é igual ao passado, nem será o futuro.

A aceleração e a realidade virtual, as quais retiram do homem atual o espaço, impuseram a ele uma nova forma de comportar-se perante os fatos, já que essa aceleração nos faz viver o imediatismo, ou seja, a presentificação, um presente intensivo.

Isso nos mostra bem o que ocorre com as novas gerações, pois essas sofrem alterações em períodos cada vez mais curtos e tal efeito não se dá pelo conteúdo de informações que processa, mas pela velocidade com que processa as informações. Trata-se de uma nova seleção natural, onde Einstein, com sua fórmula, mostra-se presente.

O espaço eletrônico apresenta-se inflacionário da mesma forma que algumas teorias do universo: quanto mais nos aproximamos de sua margem, mais essa tende a afastar-se de nós. Não há o que falar-se de infinito, mas de um finito que se move em relação ao tempo.

Nesse espaço eletrônico, um não-lugar da modernidade, há uma e-comunidade que se encontra, interage, conecta-se e cria um fluxo de informações como um todo, diferentemente do que ocorria há décadas atrás, onde as comunidades encontravam-se em um lugar bem definido, um lugar no espaço. Hoje as e-comunidades, ou tribos virtuais, não mais localizam-se no espaço, mas em um determinado momento no tempo. Não há mais a necessidade de sabermos onde estamos, mas se estamos on line.

Analisando esse ponto, devemos ter claro que a tele-tecnologia - a Internet, o tele-comando - acelera a informação, comprime o tempo, porém reduzem o movimento . Não vemos mais a necessidade da viagem material para a busca da informação, pois essa chega até nós na distância do braço que aciona o “mouse” e mostra-se em nossa frente em tempo real. Estamos efetivamente experimentando o mundo na ponta dos dedos, ou nem isso mais, já que o teclado que fazia o intermediação entre o homem e a máquina vê-se substituído pelo microfone e pela webcam. Trata-se, para usar o termo de Paul Virilio, do desenvolvimento da inércia, no qual gerações irão experimentar o sentimento de viver em uma Terra muito pequena (gerações atreladas ainda ao espaço) para as velocidades imprimidas aos transportes (aviões cada vez mais velozes) e transmissões (teleconferência), dando um verdadeiro sentimento de encarceramento, cocooning.

Por outro lado, Kerckhove nós alerta que ao invés de nos encarcerar, esta velocidade e essa interatividade, conectividade e hipertextualidade nos libertam para um mundo sem fronteiras, um universo no qual nossos sentidos já não têm o alcance de nosso corpo, mas o alcance da tecnologia aplicada em um determinado dispositivo.

Na sociedade pré-cibernética o encarceramento estava relacionado especificamente ao espaço que o sujeito possuía para buscar a informação – bairro, cidade, estado, país -, enquanto que para a web society seu limite se encontra no tempo que tem para apoderar-se da informação - Kbps . Hoje já não mais conversamos com nossos vizinhos, mas com amigos do outro lado do planeta, como se estivéssemos falando com um amigo que vemos diariamente, da mesma forma, não raras as vezes sabemos mais de coisas que se encontram centenas de quilômetros de nós do que os problemas de nosso condomínio.

Em nossos dias não há mais como vivermos em um tempo próprio nem podemos mais querer estipular um tempo para nossa vida, hoje vivemos o tempo global. O mundo material, as cidades não mais conseguem acompanhar a velocidade do mundo virtual fazendo com que se procure criar cidades virtuais, em que as construções dêem-se em tempo real, onde o ir até seja um tele-transportar, onde a fronteira esteja no conectar. As trocas das estações já não se prestam para comandar nosso ritmo de vida , hoje a troca dá-se no nanosegundo e assim, as cidades reais, violentas e empobrecidas, fazem com que nos recolhamos nas “maravilhosas” cidades virtuais.

Porém, como bem alertou Kerckhove, quem criou tais cidades como um refúgio de paz e tranqüilidade, o paraíso, esqueceu-se que quem a habitaria seriam homens e, portanto, o reflexo de nossa sociedade real mostrou-se na virtual. O autor exemplifica-nos com os casos dos vândalos que invadiam as cidades virtuais ateando fogo nas mesmas, ou seja, desloca-se o fazer nas ruas para o fazer por trás da máquina.

Mas essa virtualização, se por um lado nos prendeu em uma inércia, por outro alargou nossos sentidos e obrigou-nos a falarmos a mesma língua, como se retornássemos ao período pré Torre de Babel, parafraseando Virilio. Cabe lembrar, que não poucos governos totalitários empenharam-se para conseguir tal façanha, sempre mal sucedidos, mas a Internet em menos de 30 anos está mostrando-se competente para tal, interligar a terra em uma só língua.

Com uma língua unificada, mais da imagem e da visibilidade do que da fala e escrita, capaz de permitir a troca interativa, tornamos-nos receptores fáceis. Desta forma, somos bombardeados por uma quantidade de informações jamais imaginada pelo homem, fazendo com que reduzamos o tempo de processamento e absorção. Trata-se da informação fast-food dentro dessa aldeia global, onde já não se tem uma informação de massa, mas uma massa de informação e na qual a comunicação suplantou a cultura.


3. TECNOLOGIA E A NOVA ORDEM

Nosso universo já não pode mais ser explicado, como queriam os clássicos, por sistemas lineares. Hoje somos obrigados a aceitar que vivemos em um universo caótico, de equações não lineares e, além disso, complexo. A junção dessa complexidade com a imprevisibilidade nos leva a uma nova ordem, uma ordem no caos.

Trata-se de uma ordem na desordem e que tem nessa a produção do novo, do inimaginável, daquilo que muitos de nós chamaríamos de acaso. Porém, a mecânica quântica nos dá pistas desse acaso quando alerta que nada no universo ocorre sem que outra coisa sofra uma alteração, ou seja, a complexidade faz com que, por mínimas alterações, grandes catástrofes possam ocorrer, mas essa é imprevisível.

São esses sistemas fora do equilíbrio e caóticos que são os geradores de informação, de vida, de profundas alterações do que entendemos do universo, como se tudo fosse um milagre . Ocorre que, com a informática, começamos a ter acesso à fonte desse milagre, pois essas máquinas abriram-nos as portas para entender um pouco mais dos universos caóticos que apresentam-se na natureza. Isso decretaria o fim do ambiente “ideal”, com condições ideais, pois o mundo não mais mostrava-se assim.

Os computadores mostraram-nos que vivemos na complexidade, e quanto mais melhoramos a capacidade de processamento de tais máquinas, mais o universo, o planeta e o homem mostram-se complexos e mais complexa mostra-se a mente humana, capaz de criar máquinas com tamanho potencial, porém, até agora, não conseguimos dizer o que é uma mente.

Ainda mais agora que essa tecnologia eletrônica jogou nosso sistema nervoso central para fora de nosso corpo, pois, como se verifica, deixamos para a eletricidade e os computadores fazerem aquilo que fazíamos dentro do nosso corpo, inclusive sonhar. A eletricidade entrou em nossas casas e agora temos o mundo, através da Internet, não só mais em nossa residência, mas dentro de nosso corpo e extensão do mesmo.

Hoje, podemos não só nos comunicarmos em tempo real com todo o planeta, via satélite, mas podemos estar em vários lugares ao mesmo tempo, e isso deve ser incorporado pelos ambientes que nos circundam, uma vez que estamos processando informações mais rápido do que nunca, em tempo cada vez mais reduzido. Assim, nosso lapso de atenção mostra-se reduzido, como bem exemplifica Kerckhove: se os freqüentadores de galerias param em frente de um objeto durante o tempo de oito segundos, é porque esse é o tempo que se leva para descobrir o necessário sobre determinada arte hoje, ainda mais em ambientes artificiais . Essa velocidade que nos foi transmitida pela televisão e pela Internet já está introjetada e não há mais como lutar contra.

Saliente-se que não se procura perguntar mais saber o que era, como era, mas sobre o que está acontecendo agora, já que temos quase todos os computadores do mundo interligados na rede. Resta perguntar se sua capacidade de processamento melhorará e nossa inteligência será ultrapassada pela inteligência das máquinas, onde a velocidade é a principal variável? Por que sairmos da inércia se podemos trazer tudo para dentro de nossa casa? São esses temas que a web society terá que enfrentar de imediato, uma vez que o tempo é escasso para vermos o que estamos fazendo.


4. CONSIDERAÇÕES

O pensamento linear levou-nos ao fundo do poço. A ciência não nos trouxe a segurança do futuro, a felicidade, o tempo livre para o lazer, ao contrário, a velocidade que a tecnologia imprimiu-nos, com a rede e sua troca informações, arremessou-nos para frente em uma aceleração incontrolável, em que o tempo se viu reduzido ao instante, enquanto que o espaço passa do material ao virtual.

A incerteza e complexidade tomou conta do pensamento contemporâneo e a interatividade, conectividade e hipertextualidade da vida. As verdades, universais e imutáveis, tornaram-se conjecturas e o real tornou-se virtual.

O real não se mostra mais racional, o que vemos é o irracional, o caos. O tempo perde sua inocuidade para se tornar elemento determinante, o qual faz com que se siga uma direção, e que seu retorno torne-se impossível e sua escassez o torna algo precioso.

Agora, com as novas formas de comunicação, tínhamos a certeza de termos encontrado a saída para a crise, as respostas estariam nas máquinas maravilhosas chamadas computadores e na sua ligação em uma grande rede. Mas, ao contrário, o que vemos é que entramos em outra crise, a crise do tempo, da falta de materialidade, do ser um e todos, do estar aqui e lá ao mesmo tempo, da super inflação da informação.

Aprimorar o nossos sentidos foi uma necessidade imposta pela tecnologia, pois sua capacidade de processamento acelerou nossa forma de percepção. A Internet, a comunicação via satélite, por sua vez deu maior abrangência para nossa fala e visão, porém ao mesmo tempo que nos deixou ver e ouvir mais longe, bombardeou-nos de informações, das quais não conseguimos mais nos livrar. Essa velocidade que nos faz acumular uma quantidade gigantesca de informações, em lugar de aumentar a consciência, por saturação nos embota, nos leva à paralisia e à impotência.

A transferência de informação em espaço de tempo cada vez mais curtos e a escassez desse tempo nos leva a uma crise da qual a web society deve procurar a saída. Talvez uma das saídas desse labirinto seja a complexidade, a incerteza, a transdisciplinariedade, já que com a tecno-ciência contemporânea, aprende-se que não se tem o monopólio do espírito.


BIBLIOGRAFIA
AGUIAR, Roberto A. R. de. Os Filhos da Flecha do Tempo: Pertinência e Rupturas. Brasília: Letraviva, 2000.
ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
KERCKHOVE, Derrick De. Connected Intelligence – The Arrival of the Web Society. UK: Kogan Page, 1998.
VIRILIO, Paul. A Inércia Polar. Dom Quixote: Lisboa, 1993.

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