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domingo, 3 de outubro de 2010

De um amigo: Estações Oníricas do Olhar Acinzentado

Estações Oníricas do Olhar Acinzentado 1

Que antagônico!
Sonhos desfalecendo vidas.
Quem diria?
Opacas muralhas bloqueando as quatro estações oníricas. 2
Desejos! Delírios! Devaneios! Fantasias!
Meros grãos de areia rebocados no muro cinza.
Cintilantes pingos de cores suavizando a algozaria dos dias.
Faíscas lampejantes incandescendo a escuridão do cheio das noites vazias.
Humanas excitações diluídas em barris de pólvora e tinta.
Aquarelas de pesadelos borrados!
Tingem tempo presente com grafites de tempos passados.. 3
Subsonhos pichados!
Acidificados por odores acinzentados.
Aromatizados pelos perfumes do passado.
Encarcerados no inconsciente habitam a subvida das mentes dos que sonham acordado.
Daltônicos sonhos de pincéis usados!
Artísticas telas de realidades já pintadas!
De realidades submersas no onirismo dos oceanos ilusórios.
Cubos de gelo se desmanchando nas águas de um romantismo ideológico.
Pobres sonhos asfixiados!
Despigmentados no incolor da agonia.
Sobrevivem nas cinzas do cinza.
No verde escuro do mofo e no verde claro das algas marinhas.
Dessonhos!
Pesadelar tristonho! 4
Na inalterabilidade das cores sonhar as dores das descolorações da vida.
Sonhos!
Sonhos são tintas!
Manchas coloridas no olhar aflito das visitas.
Anestésicos corantes no ansioso sonhar dos sem vidas.
Sonhos são como flores sempre-vivas!
Mesmo fustigados seguem colorindo vidas.
Entorpecentes borrifadas de delírio na facticidade do dia a dia.
Manifestações da alma bebendo esperanças nas estações oníricas.
Desejos estatelados nos altos muros da divisa. 5
Sonhos que jamais irão embora!
Como os aprisionados do lado de fora.
Sonhos de primavera!
Quantas belas permanecem sonhando com as flores de suas feras?
Mal sabem elas!
Sonhos grandes não cruzam as grades das celas.
Esmaecidos!
Apáticos!
Impiedosamente murchados no mormaço do pátio.
Será por isso?
O incansável regressar do mormaço.
Sentindo-se culpado retorna mais ardente, mais candente, mais abrasado. 6
Claro!
Desse modo induz o sonhar acordado.
Inspira sonhos de verão!
Sonhos alucinógenos!
Sonhos mais delirantes.
Aqueles de instantes intensificados.
Aqueles que lançam contra as extremidades do corpo as ilusórias sensações de afago.
Sonhos gélidos!
Banhados por águas cristalinas.
Acariciados pela fria brisa dos matos.
Até mesmo sonhos suados!
Torrificados nas areias brancas escaldantes e afogados nas ondas azuis dos mares.
Sonhar saboroso!
Capaz de invadir o corpo e embriagar a alma.
Como suaves sonhos de outono!
Vento soprando o rosto, folhas caindo no corpo, cheiro de terra molhada.
Devaneios trazendo carências do sonhar invernoso.
Sim!
Sonhos de inverno!
Sonhos petrificados nas fogueiras congelantes das lajotas de concreto. 7
Sonhos revivificados na ressonância dos gemidos.
Entalhados nos dentes rangidos.
Ressonhados em um bater-queixo rimado.
Sonhos amargurados!
Sonhar sofrido.
Pesadelos de saudades!
Sonhar a doçura do calor dos entes e despertar enroscado em estranhas coxas calientes. 8
Ora vejam!
As estações dos sonhos recomeçando.
Estranho!
Tantas sobras de sonhos.
Tantos sonhadores castrados. 9
Nossa!
Quantos sonhos não sonhados?
Quantos sonhos esquecidos?
Quantos sonhos apagados?
E ainda existem os que não sonham.
Apenas dormem!
Dormem abraçados aos seus desejos.
Dormem iludidos!
Dormem enganados!
Dormem na febril utopia de um dia acordar do outro lado. 10
Como assim?
Que coisa medonha!
Um sujeito que não sonha mas deseja estar no outro lado.



João Ricardo Hauck
Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS.
Especialista em Ciências Penais pela PUCRS.
Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade IDC.


1 Este poema integra a versão da dissertação de mestrado que foi recusada pela banca de avaliação – Dra. Ruth Maria Chittó Gauer (orientadora), Dr. Marçal de Menezes Paredes e Dr. Giovani Agostini Saavedra. As notas de rodapé fazem relações com as ideias desenvolvidas ao longo do trabalho. Acatando os pedidos e as sugestões dos colegas – contra as quais em princípio relutei – resolvi submetê-lo à publicação. Mantive as notas de rodapé e retirei das referências as páginas. Por fim, e não menos importante, o dedico à psicanalista Liane Pessin, que no descegar dos meus sonhos trouxe novos pigmentos à minha vida, guinchando-me do poço da psicalgia.
2 Tal como o ciclo dos eclipses sociais.
3 O despertar é um tempero onírico que realça o deleite dos sonhos e retira o azedo satírico dos pesadelos. É nele – no despertar – que se pode encontrar a razão de ser do sonhar. No entanto é justamente ele que o tempo involutivo da rememorização elimina. O encarcerado não goza das sensações de despertar: as molduras da sua realidade são piores que os seus pesadelos. As fedentinas do passado são os perfumes do seu presente aromatizando um futuro mortificado. Pois a temporalidade carcerária – apartada do fluxo tecnológico – continua prescrevendo o estado de sítio das guerras e desprezando o estado de sítio do tempo.
4 Pesadelar monstros estetizantes desbotando cores com as infindáveis dores que não foram estetizadas.
5 Os serôdios muros da prisão e seus paramentos são inaptos para bloquear o sinal de celulares, mas são suficientemente eficazes para obstruir a entrada dos sonhos e aprisionar os pesadelos.
6 O braseiro dos sonhos é a fábrica dos neons do “neo” – do neopunitivismo e da neocriminalização – fluorescendo os letreiros do positivismo legiferante e da criminalidade simbólica.
7 Das pedras nuas e frias que tatuam as realidades sofridas no próprio couro dos uniformes.
8 A escamação do couro dos porcos-espinhos confecciona a pele das víboras que dormem enroscadas.
9 Cerceados e/ou corrompidos pelas leituras positivistas da lei e pela arcaica crença no “tratamento penal”.
10 O estado de coma induzido pelas prisões não termina com a libertação do preso. A malária estigmática contraída no presídio não encontra cura na “liberdade”. Seu alvará de soltura – incapaz de desmortificá-lo – revela imagens dos pesadelos do cárcere. Solto ele é um zumbi a perambular na sociedade.

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