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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Na tarde. Pensando


Nossa cultura ocidental faz acreditar que somos uma sociedade de indivíduos, porém em nenhum momento nos faz “rever estes conceitos”. Já não há mais lugar para uma leitura estanque do indivíduo. Hoje, como já vimos anteriormente, vivemos num mundo de interações, aberto, caótico e, portanto, várias disciplinas devem ser utilizadas para se compreender este fenômeno chamado individualismo.
Podemos estar equivocados, mas a sociedade vista como um ser vivo, um ser em movimento, ainda parece ser uma das melhores formas para ser estudada. Como já ensinava Elias, esta sociedade deve ser vista como uma rede1.
A visão unilateral, unidisciplinar vista por Dumont, não se mostra compatível com as observações feitas pelo mundo contemporâneo. Não se pode mais conhecer a sociedade pela sua origem, pois não se trata de um ser estático, determinado.
Não há mais espaço para ser tentar entender o indivíduo contemporâneo, insistimos nisto, através de uma reconstrução “arqueológica”, pois o passado e o futuro têm diferenças ontológicas, bem como as revoluções sociais se deram sempre que a instabilidade atingiu seu ponto máximo e, portanto, foi enviada para uma nova esfera mais estável. Ocorre, que a passagem não se dá de forma retilínea, como uma única trajetória. Antes pelo contrário, dentre vários escolhas esta foi deslocada.
A especialização das ciências trouxe-nos avanços, mas, de outra banda, também nos deixou travados em relação ao tempo. A transdisciplinaridade pode ser um passo para tentar dar explicações para a sociedade de indivíduos, uma vez que esta (transdisciplinaridade) é aberta e, portanto, faz trocas com outros sistemas, tal qual o Universo pensado por Prigogine.
A sociedade ocidental se caracteriza pela valorização do indivíduo enquanto sujeito livre para escolher, uma sociedade formada por iguais, não hierarquizada2. Observe-se que não nos referimos a que toda humanidade seria individualista, por entendermos que o que há é um predomínio, atualmente, dos interesses individuais. Não obstante, devemos ter claro que ao mesmo tempo encontramos sociedades holistas.
A doutrina cristã teve um papel dominante para a emergência do individualismo, uma vez que via a salvação do homem como resultado supranatural, observando-se, sempre que quem se salva é o indivíduo, por ser em virtude do livre arbítrio responsável por suas escolhas, ou seja, um agente moral. Temos um homem criado a imagem e semelhança do Deus criador, esse indivíduo onipotente e onipresente, e, portanto, nós traríamos uma identidade própria, sendo também indivíduos livre e iguais.3
A escolha pelo individualismo pode ter, entre outras causas, o número de atrocidades com que a humanidade se deparou em nome do bem comum, sendo sacrificados os direitos e garantias do cidadão, com a promessa de um mundo melhor, como se as alterações sociais pudessem ser pré-determinadas.4
Tal premissa já não encontra mais sustento, uma vez que as mudanças se dão em momentos inimagináveis e sua energia leva-nos a pontos de bifurcação, em que a escolha de um caminho faz com que, no mínimo, um outro esteja perdido e sua volta, existente uma flecha do tempo, não se torna possível.5
Cabe ainda alertar para o fato de que assumirmos uma postura individualista, o que a primeira vista pode parecer algo anarquista, não se sustenta. A escolha por tal postura nos leva ater além de direitos, liberdades, também obrigações6; a liberdade do indivíduo não é infinita como se poderia pensar, pois se vive em uma sociedade de indivíduos, como já ensinou Joel Roman.7
O indivíduo, pensando-se livre e onipotente, achou que descobriria as forças que regem o Universo para, assim, poder dominar. Ocorre que, como já mencionamos, o universo não é regido tal como uma máquina, em que cada engrenagem somente tem uma única função. Na verdade o que vemos são partes de um todo que se alteram de forma aleatória e, portanto, a visão determinista de mundo não consegue mais dar conta.
É neste ponto que devemos nos ater, pois somos criados como indivíduos que têm como carro chefe a economia8, o dinheiro, como bem ressaltou Simmel 9, e essa sempre foi considerada exata e controlada, bem como sua previsibilidade era inquestionável. O tempo mostrou que o determinismo nem nesta interlocução, homem versus economia, não atingia suas expectativas.
A esperança de o indivíduo encontrar seu porto seguro na economia (dinheiro) se viu frustada, pois imaginava ele poder controlá-la. Isto demonstrou-nos o erro em que a sociedade moderna continua a acreditar, pois o dinheiro, que sempre deveria ter servido como “meio para”, passou a ser um fim em si mesmo. Foi essa crença na sua onipotência que nos levou a ser escravo de nosso próprio objeto. A relação homem com homem existente nas sociedade medieval é deslocada para uma nova relação, agora do homem com as coisas.10
A sociedade moderna, por ser individulalista, segundo alguns autores, só pode existir através da economia, ou seja, independente da sua hierarquia social. Trata-se de uma sociedade na qual prepondera a economia sobre a política. Porém, é essa a sociedade que nos leva a uma tensão da teia social, prestes a um novo deslocamento.
Entende Dumont, que a sociedade desaparece frente à economia, sendo correto reconstruir a sociedade submetendo a economia a ela. Independentemente da visão apresentada pelo autor, na visão de Prigogine a reconstrução não se mostra possível já que o tempo é fator que interfere efetivamente para a evolução da sociedade.
Mesmo que se tome um número representativo de varáveis, a confiabilidade dos resultados são mínimas, uma vez que o número de possibilidades tende a aumentar em direção ao futuro...
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1(...) “é esta rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos ‘sociedade’”.
2 “No holismo, os indivíduos empíricos são, sobretudo, representados como identidades posicionais, isto é, como identidades cujo o valor é dado pelo lugar que ocupam na hierarquia estratificada da sociedade; no individualismo, o valor da identidade individual é dado, sobretudo, pela idéia de autonomia em relação ao todo. O indivíduo do individualismo concebe-se como algo que pré-existe ao social, que, por sua vez, deve organizar-se para atender, realizar, incentivar, exprimir etc., suas potencialidades pensadas como naturais ou intrínsecas.” COSTA, Jurandir Freire, Sujeitos em busca de um lugar, p.
3 Para uma maior compreensão do tema ler Louis Dumont, O Individualismo.
4 Em nome de pretensa existência substancial de todos tem-se tentado subordinar as metas e os interesses dos indivíduos às finalidades pretensamente superiores, perseguidas pelos coletivos. “Fostes criados em função do todo e não o todo em função de vós” Platão
5 “Dinâmica, porque a vida, por definição, é movimento, inscrito no tempo de maneira irreversível, sem possibilidade de voltar atrás.” Edgar Morin / Ilya Prigogine e outros autores, A sociedade em busca de valores – para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo, p. 13
6 Esta operação é custosa e não é evidente: com efeito, para o ganho indiscutível da liberdade, que sofrimentos, psíquicos mas também sociais! Porque a impossibilidade em que o indivíduo se encontra de se submeter a uma ordem exterior leva-o a ter de assumir, na primeira pessoa, opções de vida, opções morais, opções existenciais que, em tempos passados, não teria de fazer. Estas eram-lhe ditadas anteriormente, fosse qual fosse o seu custo, pela estrutura social. Assumir estas escolhas é também sentir-se responsável por elas, ser devedor, e ver-se obrigado a aceitá-las, a sofrer as suas conseqüências, aconteça o que acontecer, sem qualquer protecção. A liberdade do indivíduo moderno é também a sua grande exposição. Quanto maior for a liberdade mais o indivíduo terá de interiorizar um determinado número de obrigações, e mais essa necessidade vai surgir paradoxalmente como um encargo, como algo de custoso. É esse paradoxo que é preciso explorar, o desse preço a pagar pela liberdade. Joel Roman, Autonomia e vulnerabilidade do indivíduo moderno, in Edgar Morin / Ilya Prigogine e outros autores, A sociedade em busca de valores – para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo, p. 42-43
7 Quanto mais nos individualizamos mais nos socializamos simultaneamente. Isto pode verificar-se a nível da norma social. A nossa sociedade, conforme a apresentou Michel Foucault, funciona essencialmente por normas: cada um deve estar em conformidade com certas normas sociais, tanto mais apertadas quanto mais livres forem os indivíduos. Esta norma social é limitativa mas, por outro lado, é também desejada, o que não é forçosamente contraditório. Joel Roman, Autonomia e vulnerabilidade do indivíduo moderno, in Edgar Morin/Ilia Prigogine e outros autores, Ibidem, p. 43
8 “As correntes da cultura moderna deságuam em duas direções aparentemente apostas: por um lado, na nivelação e compensação, no estabelecimento de cículos sociais cada vez mais abrangentes por meio de ligações com o mais remoto sob condições iguais; por outro lado, no destaque do mais individual, na indepêndencia da pessoa , na autonomia da formação dela. E ambas as direções são transportadas pela economia do dinheiro que possibilita, por um lado, um interesse comum, um meio de relacionamento e de comunicação totalmente universal e efetivo no mesmo nível e em todos os lugares, possibiitando à personalidade, por outro lado, uma reserva máximizada, permitindo a individualização e a liberdade.” O dinheiro na cultura moderna, in Simmel e a modernidade, p. 28.
9 (...) “ o dinheiro confere, por um lado, um caracter impessoal, anteriormente desconhecido, a toda atividade econômica, por outro lado, aumenta, proporcionalmente, a autonomia e a independência da pessoa. O dinheiro na cultura moderna, in Simmel e a modernidade, p. 24.
10 As sociedades tradicionais poderiam ser assim descritas: holismo, hierarquia, relação entre pessoas, subordinação, sociedade, propriedade imóvel, poder, religião/política. Por outro lado, a sociedades modernas tem como caracteristicas: individualismo, igualdade, relação entre pessoas e coisas, propriedade privada, indivíduo livre, propriedade móvel, trabalho economia. CASTRO, Marcos Faro de. Entraves à Democracia: A questão da política economia.

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