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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Na tarde pensando (parte 2)


Temos hoje, uma sociedade em que a dor e o sofrimento não podem ser sentidos, onde o menor sofrimento deve ser recompensado com bajulações e com quinquilharias efêmeras, que nos trazem também um bem estar efêmero, forçando-nos a querer, de todas as formas, obter cada vez mais este elixir, mesmo que efêmero, para saciar nossa lascívia. Porém, sabemos que este elixir só nos é dado quando sofremos, e para tanto, nos expomos ao sofrimento, sendo que este sofrimento nos é o tesouro pelo qual somos recompensados com nossas pílulas de felicidade.
Porém em determinado momento, somos, e aqui deve se ter bem delimitado que só alguns, jogados ao mundo real, fora de nosso reality show criado por nossos pais para que não vejamos a realidade nua e crua da rua. Agora cabe explicar por qual motivo pontuo somente alguns. É público e notório, ainda que isto seja um clichê, que a grande maioria das pessoas não vive nas redomas de vidro que nós, que aqui estamos lendo este texto, temos em nossa vida. A grande maioria dos seres humanos, se não somente humanos, vivem sem possibilidade alguma de locomoção social, sem possibilidade de escolhas, vivem em uma sociedade de indivíduos, parafraseando a obra de Elias, rígida e estanque, onde a escolha tende a zero (lembrando o grupo de estudos de ontem com o Aury). São pessoas, como bem salienta Bauman, que se encontram ao lado oposto dos turistas, mas que são essenciais para a existência destes, são os vagabundos, sem os quais não sobreviveríamos.
São estes vagabundo, como sempre os outros, que nos servem de referencial de quem somos e qual nossa posição em relação ao todo. Nós não somos eles, pois eles são os outros que nos geram medo, mas que, acreditamos que podemos controlá-los, pois somos os detentores dos instrumentos de controle social.
Mas a triste noção de quem efetivamente somos surge quando, “por obra do destino” somos escolhidos, neste mundo da concorrência, para sermos um dos outros, i.e., sermos alguém para o qual não fomos preparados, naquele reality que vivíamos. Agora estamos frente a frente com um mundo real, um mundo que cheira, não as essências de Chanel, mas de suor humano proveniente do trabalho, um mundo em que o vermelho não é dos tapetes por onde passam os desfiles, mas de sangue derramado pelo esforço de sobreviver mais um dia, onde o ligar e desligar a televisão que nos intertem nos momentos que estamos gastar nosso tempo é o de estar vivo por mais alguns instantes onde a comida de ontem já não nos é apreciável, pois repetir é sempre monótono de mais, e, portanto, vira nosso lixo, mas é o banquete sempre esperado por quem não tem o que comer e nem perspectiva de ter o que comer, enquanto nosso lindo “cãozinho” sacia sua fome com seu delicioso “pedigree champ de file ao molho de ervas finas” e vai em sua pet pois seu pelo está demasiadamente embaraçado, enquanto a criança fora de sua casa está demasiadamente suja para fazer parte de sua vida.
Neste momento em que a realidade bate em nossas portas, que a vida nos chama para conhecê-la de perto, nós da sociedade líquido-moderna-do consumo-do crediário (Bauman) necessitamos de novas proteções já que a abóboda de cristal que nos mantinha em nosso reality desapareceu, então a esperança recai sobre os chamados remédios do esquecimento, a droga do sucesso, a felicidade instantânea, e para tanto, somos quase que compulsoriamente jogados a um tratamento de choque das áreas psi (seria esta a nova variável que será a solução de todos os problemas modernos? Outras, em outros tempos, já foram tentadas e se descobriu que a solução não se dá em uma única disciplina, será que iremos cometer o mesmo erro? Tudo agora deve passar pela Ψ)....

2 comentários:

  1. Pois é, comentando um pouco o teu primeiro parágrafo, parece haver a necessidade de se viver uma “vida empresarial”. Entendo por vida empresarial esse modo de viver que busca o tal do “sucesso” existencial – a imagem que me vem à mente é aquela de famosos que saem em capas de revistas com sorrisos estampados ou as cenas de festa de formatura na graduação (digo isso com todo o respeito em relação àqueles que pensam o contrário, mas sequer vejo algum motivo de se comemorar algo lopo após o bacharelado)-, a tal ponto de se criar uma realidade cujo fim seria o de colorir a opacidade cotidiana, tornar a vida suportável. Zizek diria que criamos essa realidade porque não suportamos o real. Acho que o problema de se ver a vida dessa maneira é achar que ala tenha de assim se desenrolar (em relação a todos!).
    Será que haverá algum momento extremo cujo impacto na vida desses indivíduos lhes fará perder as esperanças do sucesso? Quais seriam as suas reações? o suicídio para alguns? A depressão profunda para outros?
    Aliás, não podemos ter uma vida comum sem o imperativo categórico do sucesso (carrões, viagens ao exterior, riqueza, Doutourado e PHD na Alemanha, por exemplo)? Não podemos ser medíocres?

    Abraços, David Leal.

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  2. Mô,

    sensacional (nem sei mais o que dizer), apenas sensacional.
    Prefiro pensar...

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